A CDL Recife chega aos 65 anos de atividade, reconhecida pelas ações na operação do SPC (Sistema de Proteção ao Crédito) e pela defesa da revitalização do Centro da cidade. O presidente, Fred Leal, e o diretor institucional da organização, Paulo Monteiro, falam da história da entidade e das conquistas e desafios para restaurar o movimento da região central e impulsionar o varejo local.
A CDL Recife (Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife) comemora 65 anos e seu presidente, Frederico Leal, e o diretor institucional, Paulo Monteiro, fazem um balanço sobre a atuação da entidade nesta conversa com Cláudia Santos. Conhecida por seu pioneirismo, foi a primeira CDL do País a criar um sistema centralizado do SPC. Ao longo dos anos, a organização também tem uma atuação constante em prol da revitalização do Centro da cidade.
Ambos os assuntos são tratados na entrevista pelos dois empresários que defendem transformações estruturais na área central do Recife, como o incentivo à moradia, instalação de serviços, recuperação urbana das áreas e segurança para que o varejo volte a ser pujante na região. A ideia baseia-se também no conceito da “cidade de 15 minutos”, em que moradores tenham acesso a serviços, comércio, cultura e lazer, a uma distância máxima de 15 minutos a pé ou de bicicleta.
Que balanço vocês fazem dos 65 anos da CDL Recife?
Fred Leal – O balanço é muito bom. Hoje são quase duas mil CDLs em todo o Brasil e a do Recife foi uma das primeiras que surgiram. Sempre tivemos grande atuação, principalmente na relação com os poderes institucionais, federais, estaduais e municipais, logicamente mais fortemente na instância municipal.
Em relação aos 65 anos, é importante frisar a questão da credibilidade da CDL Recife enquanto uma instituição apolítica. Tivemos, pelo menos, 40 anos de relações com o poder público independentemente do partido que estivesse no poder. Ou seja, o partido da CDL é o lojista, é a cidade do Recife. A grande preocupação nossa não é somente com o comércio mas, também, com a cidade como um todo, pois se o cidadão recifense está bem, se tem sensação de segurança, vai comprar com mais tranquilidade e isso, consequentemente, favorece o comércio.
A ascensão da CDL Recife se deu a partir do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) que começou no Rio Grande do Sul e, depois, chegou ao Recife, mas temos orgulho de dizer que foi aqui que virou a chave para o SPC Brasil. Antes, cada cidade tinha seu sistema de SPC. Nós fomos o primeiro que interligou os dados de todas as cidades de Pernambuco e unificou no CDL Recife sendo os primeiros a migrar para o processamento central do SPC Brasil.
Qual a importância do Serviço de Proteção ao Crédito para o desenvolvimento da CDL e do comércio brasileiro?
Paulo Monteiro – Antigamente, a forma de saber se um consumidor pagava bem era ligando para outra empresa onde a pessoa comprava e perguntar: “fulano é bom pagador?” Não havia um banco de dados. Um dos fatores mais importantes para o crescimento de qualquer atividade de compra e venda, no Brasil, é o crédito. Ele é o grande impulsionador em todos os setores no mundo todo. A importância maior do SPC é que alguém chegou e disse: “vamos criar um sistema de ficha, para anotar: ‘fulano’ é bom pagador’”.
Diferente de outros países europeus, no Brasil vende-se muito de forma parcelada. O SPC entrou com muita força e, antigamente, era um sistema para cada estado. Então, há 20 anos, começamos a centralizar e hoje o SPC Brasil é uma empresa nacional (a CDL Recife é cotista dessa empresa), que faz mais de 400 milhões de consultas por ano. Somos um dos maiores bancos de dados de consumo da América Latina.
Por isso temos um convênio com a Serasa, que não é concorrente, na realidade é uma parceira. Hoje há cinco bancos de dados no Brasil, nós somos um deles. Esse negócio é regulamentado pelo Banco Central, são necessárias algumas premissas para existir um banco de dados, não é qualquer um que pode ser porque é necessária uma confiabilidade técnica.
Nós tínhamos três grandes linhas de atuação: a de negócio, a institucional e a linha social. A linha social era a Fundação de Amparo ao Menor, fundada há 30 anos para tirar os meninos da rua, foi evoluindo e hoje extinguiu-se. Ainda temos algumas ações sociais, mas ficamos mais com o institucional e com o negócio, pois a CDL é um birô de crédito que faz consulta, faz a garantia de cheque, enfim, uma série de outras coisas, inerentes ao negócio da CDL. Mas vale ressaltar a importância da CDL, nesses 65 anos, em questões como a revitalização do Centro do Recife.
Como tem sido a participação da CDL Recife na revitalização do Centro?
Fred Leal – Começou com o projeto Reviver Recife Centro da CDL, que surgiu para promover a revitalização e a recuperação da região central da cidade. Mas, antes desse projeto, o então prefeito Gilberto Marques Paulo queria fechar a Rua da Imperatriz. Os lojistas queriam tirar os camelôs da Rua Nova, da Imperatriz e da Duque de Caxias. Nós nos reunimos com os lojistas e montamos uma operação com o secretário na época e dissemos: “vocês vão ter que passar quatro dias com as lojas fechadas”. Montamos um esquema, instalamos grades, ajeitamos a rua. Depois, esse projeto começou a ser implementado, passando máquinas, trocando pedra portuguesa por tijolo intertravado e evoluiu.
A partir daí, começamos a fazer uma série de ações, e quem deu o apoio muito grande foi João Paulo, como prefeito, depois veio o João da Costa, que foi um desastre, em seguida, Geraldo Júlio, foi um bom prefeito, mas não deu aquele apoio que queríamos. Porque, na realidade, não é só tirar camelôs e pedras, era preciso dar continuidade em outros processos, ter alguém ou um órgão que cuide do Centro, que olhe a região 24 horas. Assim, no fim do primeiro ano de mandato de João Campos, cumprindo promessa de campanha, ele criou o Gabinete do Centro (Recentro) com algumas premissas que evoluíram, como o Plano do Centro. Então, surgiu o Reviver Recife Centro com parceria da CDL Recife, no sentido de revitalizar o Centro.
Quais os resultados dessas ações e como a CDL vem contribuindo na revitalização do Centro do Recife?
Fred Leal – Houve avanços como melhoria da limpeza, mais segurança e organização. Sabemos que é preciso melhorar ainda mais, mas houve avanços. Há muitas coisas em andamento, temos um projeto, apoiado pelo BNDES, para revitalizar a Avenida Guararapes; tem o Novotel; a recuperação da Ponte Giratória e do Mercado São José. Temos agora o projeto no [Cais José] Estelita, que foi uma luta nossa fazer a Dantas Barreto chegar à bacia do Pina, que é o Parque das Águas, para evitar que aquela área fique deserta.
A organização do camelódromo também foi sugestão nossa. Para além dessas questões, o grande avanço do projeto Reviver Recife Centro foi entender que o processo é maior, não é um processo pontual. Para além da revitalização das praças, é preciso pensar no macro, por exemplo, olhar para a questão de moradia, há uma grande quantidade de metro quadrado vazio, mas fazer retrofit é caro e requer tempo. Entretanto, a Rua da Imperatriz já tem dois proprietários com um projeto pronto de moradia com loja embaixo, entramos para ajudá-los com questões junto ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Ou seja, o processo é lento.
Paulo Monteiro – Essa ideia de governança para o Centro do Recife partiu da CDL que, a partir de 2016, começou a realizar uma série de seminários, chamando várias instituições, universidades, OAB, Iphan, a prefeitura. Essa ideia foi tomando uma dimensão e chegou como um produto da necessidade do Centro ter uma governança própria. Mas, existem questões que precisam melhorar. Por exemplo, entre o Novotel e o Mercado São José, existe uma mancha que é o Mercado de Santa Rita, que está abandonado e precisa de um grande projeto de reurbanização para que as pessoas que estão hospedadas lá possam se sentir seguras para atravessar a rua e conhecer o comércio da região.
Mas o comércio dali resiste. A Rua das Calçadas é impressionante, vende mercadorias que só tem lá a um preço acessível como produtos para festa, para fantasia de Carnaval, brindes. Outro lugar de destaque é Av. Conde da Boa Vista, que foi revitalizada, tem grandes lojas e a grande âncora é o shopping. Este, aliás, foi um dos motivos do fechamento de lojas na Imperatriz. Antigamente você pegava um ônibus e comprava no varejo da Imperatriz, hoje compra-se na Conde da Boa Vista.
Fred Leal – Outro problema é a segurança do Centro. Primeiro existe uma coisa chamada sentimento de segurança, depois tem a segurança em si. Ou seja, não adianta apenas transferir o batalhão da polícia de uma rua para outra. Isso não aumenta o movimento, é preciso que os clientes tenham também o sentimento de segurança. E segurança é uma coisa que só vem com gente, quanto mais gente tiver na rua, mais segurança haverá.
Além da questão da segurança, que outros problemas podem prejudicar o comércio no Centro?
Paulo Monteiro – Há outros problemas como a mobilidade. Tivemos, inclusive, uma reunião com o presidente do Consórcio Grande Recife sugerindo um estudo para tentar colocar um transporte popular, de menor tamanho, que possa circular mais pelo Centro, pela Guararapes e Dantas Barreto. Isso porque, foram retiradas várias linhas de ônibus que vêm, por exemplo, de Vasco da Gama, Nova Descoberta. Hoje, essas linhas passam pela Av. Norte, Cruz Cabugá, 13 de Maio, Princesa Isabel, mas não atravessam para o bairro de Santo Antônio. Além disso, a mobilidade está diretamente relacionada à segurança e isso foi colocado pelos próprios lojistas, é uma necessidade principalmente para as mulheres.
Fred Leal – Outro problema é arborização. Para que as pessoas circulem com mais conforto e tranquilidade é preciso calçadas e árvores. Se não tem calçada, não tem árvore, ninguém circula, ninguém anda, é como a Av. Conselheiro Aguiar, em Boa Viagem, que não tem calçada acessível, arborizada, você não vê uma pessoa andando. Em relação ao problema do transporte, recentemente foi noticiado um estudo do VLT. Seria maravilhoso!
Paulo Monteiro – O Rio de Janeiro tem e funciona muito bem.
Em se tratando da iniciativa privada, o projeto do Cais José Estelita pode trazer benefícios?
Fred Leal – Demais. Vai criar uma porta de entrada e conectar todo aquele negócio moderno com a Dantas Barreto, vai fazer uma conexão. É uma briga nossa de 50 anos que agora parece que vai resolver. Vai mudar a Avenida Dantas Barreto. É o grande mote do consultor Francisco Cunha e que já discutimos em seminários nossos, onde identificamos a necessidade de dar evidência à Ilha de Antônio Vaz, que o arquiteto Roberto Montezuma denominou de “a ilha de todos os tempos”. A ideia é transformar a Dantas Barreto num grande boulevard, ela começa no Palácio do Campo das Princesas, ali é um momento da história, depois você tem a igreja de Santo Antônio, que é outro momento da história, a aí vai até chegar o Século 21 com a avenida descarregando na lâmina d’água ali no Estelita. Então, foi justamente aí que surgiu essa ideia.
Voltando à questão do comércio, quais as tendências no setor e como os lojistas devem se atualizar?
Fred Leal – O comércio vem evoluindo no sentido de uma descentralização. Fisicamente, antes, ele se restringia ao Centro da cidade, aí surgiram os shopping centers que, por si, já são uma disrupção, e o comércio de bairro também cresceu. A tendência é que as lojas físicas continuem. Os shoppings centers deram uma virada, antigamente quem sustentava esses centros eram as lojas satélite. Hoje inverteu, e esse suporte é proveniente do relacionamento com o cliente, da gastronomia, de serviços (hospitais, academia etc.) e compras.
Outra tendência é o comércio eletrônico. Agora, a gente precisa entender o comércio eletrônico como um composto. A loja física, por exemplo, terá outro perfil, vai ter que ser também um hub de entrega, ou seja, você olha o preço na internet e vai pegar a mercadoria na loja física. É a estratégia do ominichanel. Por isso, a loja física tem que ter muito mais interação com o cliente, proporcionar mais experiência. Ela é um ponto de um processo que vai do comércio eletrônico, do relacionamento e da experiência em loja.
Estivemos recentemente numa feira em Nova York em que se falava da importância dessa experiência. Outra questão é a inteligência artificial, não sabemos exatamente as consequências que vai causar porque essa tecnologia pode identificar exatamente o que o cliente gosta, a hora em que ele sairá de casa, tudo isso é uma pressão.
Dentro dessa perspectiva, como os senhores avaliam o atendimento nas lojas físicas?
Paulo Monteiro – Acho que tem melhorado, mas ainda não se tem a consciência de que é preciso conquistar o cliente. Mas tem havido mudanças. Você vai, por exemplo, numa loja de eletrodomésticos no shopping center, e o vendedor, muitas vezes, ajuda o cliente a comprar pela internet. Outra coisa, há um incentivo para que os próprios vendedores das lojas façam a sua rede de relacionamento, informando, por exemplo, sobre a chegada de um novo produto ao cliente pelas redes sociais.
A loja física hoje é um ponto de um processo de experiência, de atendimento, de acolhimento, de relacionamento. Não é só esperar que o cliente venha, porque ele pode não vir e loja precisa sobreviver. O varejo vai ser isso com um desenvolvimento absurdo do comércio eletrônico, mas não vai acabar com o comércio físico desde que ele mude.
Paulo Monteiro – Há também a nova geração de jovens consumidores. Muito deles nunca foram ao Centro do Recife porque compram pela internet, por isso a loja física precisa proporcionar uma experiência. Então, é um conjunto, o proprietário da loja de roupa no shopping não pode, por exemplo, ficar só esperando o cliente, precisa conquistar, interagir, falar sobre novidades, oferecer um cafezinho, desenvolver relacionamento.
Fred Leal – Quanto ao Centro, é preciso compreender que o comércio não é indutor, ele não sai na frente. A não ser que seja um shopping center. O Centro tem que descobrir sua vocação. A tendência é que cresça cada vez mais o comércio dos bairros, dentro de um conceito chamado “cidade de 15 minutos” (A ideia é que os moradores possam caminhar ou pedalar para os locais de compras, lazer e trabalho em cerca de 15 minutos, trazendo mais qualidade de vida). Por isso que as lojas de hortifrúti cresceram tanto, mesmo se o preço for um pouco mais alto. Não por acaso, o Pão de Açúcar criou as unidades Minuto Pão de Açúcar nos bairros. Por isso, o Centro do Recife precisa ser um novo bairro para o seu varejo prosperar. Tem que ser ocupado com moradia e serviços, além do comércio.
Fonte: Revista AlgoMais